CIDADE ITINERANTE

Mais uma página do livro se inicia, sinalizado pelo som do meu despertador.

Ainda é bem cedo, contudo, consigo ouvir os sons da natureza lá fora.

Me despertando, entre os lençóis, repouso os pés no chão de madeira fria.

De minha janela, a silhueta do Cristo resplandece com o auge da primeira hora.

 

As ruas de pedra, a torre da igreja, o semblante imponente das casas antigas,

as sombras da noite dão lugar a luz do dia expondo seu espectro desconhecido.

Ao desabrochar da aurora, a cidade se veste de ouro, carregada com a densa neblina,

como um segredo misterioso, se revelando lentamente, como um tesouro esquecido.

 

A grande ponte de ferro negro, forjada pelas mãos dos rústicos artífices,

carregava como uma coluna vertebral os trilhos do trem apinhado de histórias,

pessoas que iam e vinham descobrindo a pequena cidade incrustada nas montanhas,

como uma pérola protegida na ostra dura, reluzindo a primazia autêntica de suas alegrias.

 

O verde se mescla as cores das miscelânias distribuídas por seu território.

O amarelo do teatro, o cinza do céu de inverno, o rosa das flores caídas do outono,

o azul provinciano das janelas e portas do prédio branco da velha escola, cada fachada.

Nossa face, máscaras carregadas  de expressões, verdades e mentiras, tudo que questiono.

 

Estátuas, porta-retratos, malas antigas, fotografias, livros, cartas e postais, ternos, vestidos,

entre as louças de porcelana, o grande piano, as imagens de santos, janelas e portas.

Os objetos escrevem uma História, nossa história, de indivíduos intrinsecamente enraizados,

condenados, solitários, na magia alquímica de um solo forte, em estruturas incertas.

 

O café plantado, produzido, moído, negociado, distribuído, vendido, consumido,

os bens da terra, seguindo o mesmo ciclo, da bebida lapidada como diamante pelo filho.

Que filho? Da terra sólida, da cidade que foi menina, da pérola que brilha, da cidade de flores.

Caminhamos unidos, orgulhosos e felizes, um povo polivalente debaixo de um único orvalho.

 

Mulheres fortes, uma prole de gerações sucessivas, rica com a estrutura de diversos nomes.

Como você se denomina? De qual família pertence? De onde você vem? Realmente importa?

Tanto distanciamento, tanta aproximação, contrastes, de uma clareza, de pertencimentos.

Vestindo nossos trajes de identidade, nossa cultura, nossa arte, aquilo que nos transforma.

 

A felicidade da partida, o alívio confortável da chegada, as estradas e os caminhos,

tão familiares, sintonizados em uma frequência de paisagens e locais, cômodos e similares.

Os festivais, festas, das noites de músicas, o panorama cheio de luzes coloridas.

Os bares abertos, lanchonetes e vias, lugares construtores de momentos singulares.

 

O barulho de conversas aleatórias, amizades formadas, relações fraturadas e atadas.

As paredes desgastadas, as folhas ao vento, papéis avulsos espalhados, letras escritas,

o tempo transcorre rápido, as memórias e lembranças que aprisionam, libertam, incentivam.

A teia da cidade nos prende, nos paralisa, nos hipnotiza, com inúmeras palavras subscritas.

 

Entrelaçados no espaço, no oceano, no limbo entre o futuro e o passado, um presente furtado

O poema, a poesia, o texto de alguém que a viu um dia, por trás da cortina transparente, dali.

Você se vê? Você me vê? Quem somos nós nas cabeças perdidas pela multidão de estranhos.

Tristonhos, sorridentes, perdidos, envolvidos, apaixonados, imergidos pela eterna Guaçuí.

 

 JÚLIA BARBOSA GONÇALVES

12 DE AGOSTO DE 2017

Graduanda em Geografia, Graduada em História e Filosofia, Pós-Graduada em história da Arte e História do Brasil.


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